Boassas-escrita e tradições
Decorreu no dia 24 de maio de 2025, em Boassas, o evento Boassas-escrita e tradições, que homenageou os latoeiros e odreiros de Boassas e contou ainda com a apresentação do livro As Sardinheiras de Boassas, da autoria do signatário deste artigo.
A iniciativa abriu com a atuação do Rancho Folclórico Cantas e Cramóis, logo seguida de um apontamento musical pela Academia D´Artes de Cinfães, atuações que muito agradaram à numerosa assistência presente.
Seguiu-se a cerimónia de homenagem, tendo a primeira intervenção ficado a cargo do Sr. Presidente da Junta de Freguesia de Oliveira do Douro, dr. Telmo Osório, que enalteceu a coragem e trabalho dos latoeiros e odreiros, bem como elogiou a edição do livro alusivo às sardinheiras de Boassas.
Tomou depois a palavra o Prof. Manuel António Pereira, Diretor do Agrupamento de Escolas General Serpa Pinto, Cinfães, que fez o elogio do livro, referindo que “ O livro que hoje é aqui apresentado tem esse claro objetivo de lembrar para as gerações futuras a importância que estas mulheres, à custa de enormes sacrifícios pessoais e familiares, tiveram na vida de centenas de pessoas que viviam abandonadas e isoladas nos pequenos povoados da serra de Montemuro e Vale do Paiva. Preservar a memória dessas mulheres, figuras tantas vezes retratadas na literatura ou etnografia popular, é homenagear a importância das Sardinheiras como “elo social”, antes da comunicação de massa e contribuir de forma vital para a valorização histórica do papel por elas desempenhado para a construção da identidade e coesão das comunidades locais ao longo de mais de dois séculos”.
Tomou depois a palavra autor do livro que discursou como vai a seguir:
“Exmº sr. Presidente da Câmara Municipal de Cinfães, Enfº Armando Mourisco,
Senhores Vereadores e deputados municipais,
Exmº Sr. Juiz Conselheiro Dr. Noronha do Nascimento
José Sampaio, Presidente da Mesa da Assembleia da ADVB,
Exmº Sr. Presidente da Junta de Freguesia de Oliveira do Douro, Dr. Telmo Osório
Exmº Sr. Diretor do Agrupamento de Escolas General Serpa Pinto, Cinfães, Prof. Manuel António Pereira
Ao Sr. Rui Teixeira e à família dos odreiros aqui homenageados, bem como às sardinheiras aqui presentes;
À minha família,
A todos os amigos presentes, boa tarde.
Começo a minha intervenção pelos agradecimentos:
Ao Sr. Presidente da Câmara Municipal de Cinfães, Enfº Armando Mourisco, por todo e empenho, vivacidade e alegria que sempre demonstrou nesta iniciativa de homenagem às gentes da nossa terra, no caso aos latoeiros e odreiros, como antes às sardinheiras de Boassas, e no apoio que deu à edição do livro que ora apresentamos; bem como no incentivo nesta parceria entre o Município de Cinfães, a ADVB, o AEGSP e a Junta de Freguesia de Cinfães;
Ao Agrupamento de Escolas General Serpa Pinto, Cinfães;
À Junta de Freguesia de Oliveira do Douro e ao seu presidente Dr. Telmo Osório;
Ao Profº Manuel António Pereira;
À Drª.Sónia Figueiredo, autora dos painéis de azulejos;
Ao Prof. Augusto Teotónio;
Ao Prof. José Maria Duarte Oliveira;
Ao Engº Luís Sequeira;
Ao Sr. Vítor Fernandes Cardoso, pela cedência de algumas fotografias que demonstram o seu amor a Boassas;
À Comissão de Festas em honra de Nossa Senhora da Estrela;
À Academia D´Artes de Cinfães;
Ao Rancho Folclórico de Cantas e Cramóis,
Ao bom povo de Boassas.
Este é um momento de grandes emoções para mim, e também de comoção. Permitam-me dedicar o livro que hoje se apresenta a público à memória de meu pai. Quero lembrar também um conterrâneo amigo que muito recentemente nos deixou: Eurico Luís Prata Pinto Correia, que foi presidente da direção dos Bombeiros Voluntários de Cinfães.
Escreveu Isaac Asimov que “ Na vida, ao contrário do xadrez, o jogo continua após o xeque-mate”. É mesmo assim: a vida continua e aqui estamos nós, aqui e agora, para lhe darmos continuidade e nobilitar o legado daqueles que já não caminham connosco.
A homenagem aos latoeiros e odreiros será feita muito justamente pelo Sr. Presidente da Câmara Municipal de Cinfães. Mas não posso deixar de lhes prestar o meu preito porquanto com eles cresci e me habituei a admirá-los. Em jovem acordava não ao som dos passarinhos mas com as pancadas que o sr. Rui Teixeira dava na chapa-de-flandres, no Fornelo, som que ecoava pela aldeia toda. Começava pela alva e só terminava ao fim da tarde. E tantas vezes lhe visitei a oficina.
Já do Sr. Joaquim Costa mal me recordo, bem como do Sr. Constantino Botelho de Sousa, ambos com as oficinas no Casal, mas aqui também os evoco.
Presenciei também tantas vezes os odreiros a acarretar o vinho em odres pasmado de tanta força e resistência que eles tinham. Lembro-me do sr. Joaquim Pinto a consertá-los com uma sovela na soleira da porta, na Arribada, enquanto a mulher Donzília de Jesus Quinze-Dias preparava a canastra e se meti à conversa com outras sardinheiras, nas cálidas tarde de verão. E lembro-me da amizade que existia entre o Sr. Abílio Pereira Camelo e o Sr. Arménio Pimpão, dois odreiros infatigáveis, que mais pareciam irmãos de peito, tanta a amizade que os unia. Estes alguns dos nomes. Outros havia, e é justo que todos homenageemos, pelo exemplo que deram de vida dura, coragem e honestidade.
Com o livro As Sardinheiras de Boassas, nada mais queremos do que honrar o carácter e a dignidade das gentes que aí se retratam e que se dedicaram a tão árduas tarefas, tendo suportado duras vivências na venda da sardinha pelo vale do Bestança e Montemuro.
Faz-se também menção ao trabalho dos latoeiros e à atividade sazonal dos odreiros, sempre imbuídos do mesmo espírito de abnegação.
O trabalho rude e humilde, tão dignamente exercido por estas pessoas, acabou por deixar uma marca indelével na identidade cultural da aldeia de Boassas.
É esta cultura imanente, esta identidade própria, que se pretendeu exalçar nas páginas deste livro, e também nos painéis de azulejos que hoje se inauguram e que serão um elemento distintivo muito próprio deste lugar.
Esta publicação contém fotografias que são já documentos. Evocam uma certa época, retratam pessoas, denunciam rostos determinados, olhares esperançosos, vidas com histórias; estampas que descrevem os seus ofícios e trabalhos, que ora se pretendem dignificar e valorizar, numa afirmação cultural da nossa terra para que presentes e vindouros aqui se revejam e encontrem o seu lastro identitário, as suas raízes culturais, assumindo-as, mais do que delas se escusando ou envergonhando.
Aqui se deixa, nestas singelas páginas, um registo para memória futura.
Destacamos os depoimentos que colhemos junto de duas das nossas mulheres sardinheiras. Leiam-nos com atenção, peço-vos. Descobrirão nesse registo o encanto da sinceridade, da simplicidade, da humildade, do respeito, da resignação, mas também da esperança que sempre acalentaram num futuro melhor, para elas e para os seus.
O livro é também um pretexto para estarmos aqui, hoje, a celebrar em comunidade. São iniciativas como esta que também dão um sentido comunitário e de união a uma aldeia e às suas gentes; uma afirmação de comunhão muito própria que conduz aos valores da solidariedade e entreajuda seja em tempos de festa, seja em momentos de dor. Não somos um somatório de meros indivíduos, somos uma comunidade: Somos de Boassas!
Quanto ao livro em si, ele é tão só um parco contributo para a cultura do nosso concelho de Cinfães e uma tentativa de enaltecimento do caráter destas mulheres, tantas vezes depreciado, que ao longo de tantos anos se sujeitaram à venda da sardinha, o mais humilde dos trabalhos.
Fica agora à vossa avaliação e apreciação crítica.
No que nos respeita, parafraseando D. Francisco Manuel de Melo, diremos: “ Quanto aos erros de escrita, incorreções de linguagem, imperfeições do estilo, nada hei para dizer-vos: vós os vedes, vós os castigais!
Confiamos, todavia, na brandura do vosso juízo.
Muito Obrigado.”
A encerrar as intervenções dissertou o Sr. Presidente da Câmara Municipal de Cinfães, Enfº Armando Mourisco, enfatizando que era com muita alegria que estava em Boassas para enaltecer as pessoas que se evidenciaram pelo seu trabalho, coragem e por valores que são exemplo para todas as gerações. Referiu que estava na parte final do seu mandato, mas que sempre procurou serviu as pessoas e melhorar as condições de vida dos munícipes de Cinfães. Homenageou os latoeiros e odreiros, louvou-lhes a sua dedicação e trabalho honrado, distinguindo-os em nome do Município de Cinfães, num momento tocante e emotivo.
No que concerne ao livro As Sardinheiras de Boassas, referiu que “ As sardinheiras são um símbolo de resistência. Num tempo em que o mundo lhes impunha dificuldades imensas, responderam com determinação e alegria, transformando a labuta diária em histórias de amor, sacrifício e superação… “ Este livro não é apenas um registo histórico, mas um tributo. Um testemunho de respeito e admiração por estas mulheres que moldaram a identidade da terra e deixaram marcas indeléveis na memória colectiva. A sua história merece ser contada, lembrada e passada adiante para que nunca se esqueça o que foi viver, lutar e amar sob o céu de Boassas, nestas terras de Cinfães… com cada página deste livro, resgatamos as suas vozes, os seus passos, o seu espírito indomável. E, assim, garantimos que continuarão vivas na história e no coração de todos nós. Orgulhoso, orgulhosos estamos da nossa terra e das nossas gentes”.
A confraternização que se gerou depois entre todos os participantes, e que se prolongou tarde fora, trouxe uma nota de festividade e alegria à aldeia, dando-lhe vida e vivacidade, num momento que ficará na memória por muito tempo.
Cinfães, 28 de maio de 2025.
Jorge Manuel de Sousa Cardoso Ventura,
Presidente da direção da ADVB